segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Não sou eu, não escrevo. Não limpo o chão em que piso, o banheiro que uso. Não lavo minhas roupas e não saio de casa para comprar minha comida.
Cozinho, por vaidade.
Por necessidade, para ganhar minhas migalhas,  fecho os olhos, o coração, travo meu pescoço e coluna, os músculos do trapézio, e abro livros que alimentam a ilusão de que pessoas possam existir. Elas não podem, ninguém pode existir: apenas esse barulho da escavadeira do outro lado da avenida que tem nome de uma santa e, claro, não salva nem a si mesma, pode existir.
E se eu continuo olhando para as coisas belas, é apenas por capricho. Sinto tanta repugnância e nojo dos que se dedicam a adiar o fim do mundo que, acho, devo mesmo ir para o inferno, de novo.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

NA Mesopotâmia, não tinha fascismo. A violência tinha outras caras, outras palavras e gestos. A fome também era diferente, o deus gostava de silêncio e precisava de nós.

Agora, e já faz um tempo, é preciso encontrar o fio da meada em que respeitar é suspeitar: alegoria, senhor WB ?

Revisito as profundezas e só encontro uma raiva pastosa. é como um enfermo que voltei a essa cidade, e é como doente terminal que sei que não há cura. Não é pelos outros, mas por mim, essa certeza de que tudo está abaixo e doente e vazio. A falta de compaixão vence a compaixão - porque em mim ela só existe abstratamente.

Deus não precisa de ninguém e nós fomos feitos sua imagem e semelhança.

sábado, 3 de agosto de 2019

beleza aracnídea, envelheço o hábito irônico diante das calamidades, são tantas, e aproveito ainda um tipo viril configurado num feminino corpo assustador pelas formas e cólera.  Deixo os Orenocos dos corações humanos e subo rumo aos Andes, Bolívia, para habitar agora na casa que se chama Circe, que sou.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

achei que tinha me perdido, eu, meu caderno que sou eu. Logo nesse momento em que preciso tanto de mim, que não tenho paciência para nada além de mim ( não é que seja exatamente uma exceção, normalmente só tenho tempo e paciência para mim). Não é egoísmo é autocentramento.
Mas, de qualquer forma, nesse instante precisava muito de mim, aqui. E não estava conseguindo encontrar. Agora estou em minha casa, resistente como uma fortaleza.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Sou aquele personagem interessante e desnecessário que há em todas as tramas. O que gera bons diálogos e tem um ponto de vista fascinante sobre tudo - o resultado de suas ações é  destacadamente indiferente ao enredo.
Desimportante demais para ser um herói. Impassível o bastante para não ser bandido.
Aquele que viu e está vendo, mas foi esquivo o suficiente.
Aquele que não vai morrer.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Ouço uma música do Beirut e começo a chorar. Ando muito sensível. Olho para o que tenho que fazer. Respiro e repito, fazer o que deve ser feito. Digito então as ideias que já cultivo como quem cuida da horta há muito tempo. 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O tempo está passando, fundamentação e desdobramento de sentido. Peça por peça, montando e desmontando a vidinha. Quero agora entender como a intencionalidade da consciência se tornou um problema pessoal e a incongruência que essa configuração supõe. Quero firmar as bases, mas também compreender porque tenho horror a elas. Quero dizer a todos que corremos em direção ao nosso destino técnico com os olhos fechados e o coração crente na possibilidade de manutenção dos sagrados individuais. Quero dizer que isso tudo deu muito errado e que não há nada de bom para vir. Queria contar que não se trata de um desastroso desvio ou de uma configuração passageira ainda que maldita da fortuna. Queria dizer que esse é o caminho, mas que também haverá alguma gargalhada nisso. Queria dizer que aprendi a ver nos oráculos ( que domino com alguma destreza e pelos quais não cobrarei jamais) o que já havia compreendido com os livros e o pensamento: a teimosa ingenuidade das "pessoas boas" não abala o desprezo e a surdez e a fatalidade das forças que nos atingem sem sequer notar. 

domingo, 20 de janeiro de 2019

queria escrever um livro sobre a existência de um perecer. Ouvir não apenas a efervescente superfície. Escutar seu destino. Começar pelo avesso e dele, do fim de tudo, chegar ao existir. Porque assim as coisas são. E por isso mesmo, esse é um livro impossível de se escrever. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Tenho violenta aptidão para o múltiplo simultâneo, identidade entre necessidade e liberdade, mãos ágeis e os pés-de-vento.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

gritar é esmagar com a voz, berrar é um soco, dói mais e menos que um murro fatal.
quem é capaz de juntar os cacos?
ponto irreversível em que se diz ,com saudade, adeus.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

vida humana desprovida de todo bem próprio, reduzida ao acaso, ao sabor dos humores daqueles que se servem desse esvaziamento; olhar que vê e não acusa, não reclama, apenas tenta compreender as brechas, sempre rudes e frias, ao contrário do que os ainda românticos gostam de pensar. Estar quieto, estar sóbrio, estar entregue ao cada vez mais precário e cada vez mais morto. Quem sobrevive o faz porque morreu primeiro.